18 de agosto de 2014

«DA DIFERENÇA À IGUALDADE» - XVI SEMINÁRIO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DE TOMAR
José Fernando Vasco segunda-feira, agosto 18, 2014 0 comentários

“ [...] uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Desembocaria na tomada de conhecimento, isto e, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre o nosso enraizamento como cidadãos da Terra...” 
MORIN, Edgar (2002).
Os sete saberes para a educação do futuro. Lisboa: Instituto Piaget, p. 66. 

Resultando de uma longa e profícua parceria entre a Câmara Municipal de Tomar e o Centro de Formação Os Templários, o XVI Seminário Regional de Educação abordou a temática “Da diferença à igualdade”. 

Partindo do conceito base de uma escola para todos e do reconhecimento de constituir, hoje e na sua essência, uma soma de parcelas diferenciadas; o seminário organizou-se em torno de três grandes questões: a educação não formal, os direitos das crianças e a multiculturalidade – questões com reflexos imediatos e evidentes na gestão de sala de aula. 

No primeiro painel - Educação não formal - Cristina Vieira (Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. Coimbra) abordou as questões do género (comportamentos sociais expectáveis e reais) e da cidadania, bem como a permanência das estereotipias (ou da “adequação” dos papéis, como resultado dos estereótipos de género e como condicionante das escolhas sociais). 

  Face ao pré conceito/preconceito – “A casa é das mulheres, a rua é dos homens” - há que promover a igualdade de oportunidades, independentemente do sexo biológico; a socialização diferencial de cada um dos sexos, desde muito cedo. O papel da escola e dos professores é essencial. Guiões de suporte ao combate às estereotipias (www.cig.gov.pt) já existem para o ensino básico e, presentemente, está a ser terminado um guião destinado ao ensino secundário. 

Segundo La Salette Coelho (ENED – Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento), o propósito fundamental da escola em formar cidadãos corre o risco de ser remetido para segundo plano face ao objetivo de formar profissionais. Sendo que a ENED tem como missão «promover a educação para a cidadania global», isto é, estimular processos de resposta aos desafios no mundo global; defende, na linha de Marjorie Drake, os seguintes princípios unificadores e pilares: interdependência, cidadania global, reconhecimento da diversidade, a promoção do desenvolvimento sustentável, da justiça social e dos Direitos Humanos; numa estratégia de identificação de perceções, promoção de valores e resolução ativa de conflitos. Defendendo a formação integral da pessoa e um processo de mudança rumo a uma cidadania global responsável e mobilizando instrumentos de luta contra a exclusão, injustiça e desigualdades sociais; a ENED visa centrar no processo de aprendizagem uma estratégia de ação/reflexão (saber ser, saber fazer, saber saber), promover a equidade mais do que igualdade, o auto conhecimento e a empatia, a adaptabilidade ao contexto e a abertura ao conhecimento do outro. Como disse Boaventura Sousa Santos, “Tenho direito de ser igual quando a diferença me inferioriza. Tenho direito de ser diferente quando a igualdade me descaracteriza”. A AidGlobal, representada por Susana Damasceno, defendeu a ideia de “educar para cooperar”, ou seja, a possibilidade e importância da integração da educação para o desenvolvimento no currículo.

No segundo painel - A promoção dos direitos das crianças - Jorge Varela (ex-presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens das Caldas da Rainha) defendeu que a criança é sujeito de direitos, isto é, titular dos mesmos; o que representa, face ao passado, uma mudança de paradigma. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, nos artigos 36º e 69º; e de acordo com o direito comunitário e o restante direito internacional, a Humanidade deve à criança o melhor dos seus esforços, no superior interesse da criança: nomeadamente, na garantia do seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social. Defendendo que as CPCJ devem ajudar os pais a proteger as crianças e a garantir-lhes os direitos à vida, nome (dignidade), liberdade de expressão (como sujeitos de direitos), a igualdade jurídica de oportunidades, a brincar, à educação e à proteção. As CPCJ devem pois promover ações de defesa ativa dos direitos e de prevenção dos maus tratos e responder aos casos concretos.
Na relação entre a criança e a Escola, defendeu que o exercício da autoridade pelo professor é um direito inalienável da criança e, logo, um dever do professor. Argumentou ainda em torno de não ter sentido um Estatuto do Aluno, porque existem alunos na sua imensa diferença: “só quando formos todos diferentes é que seremos todos iguais.”

No terceiro painel - multiculturalidades na Escola - Cristina Milagre (Alto Comissariado para as Migrações), defendendo uma escola intercultural afirmou que “desocultar a diversidade já é valorizá-la”. Para ajudar os professores e as escolas a promover ativamente a interculturalidade, elaborou-se um “Guia de avaliação de Práticas de Educação Intercultural”, um instrumento crítico que aponta desafios e pistas, questiona práticas e promove um balanço crítico. Sendo a interculturalidade uma opção deliberada de gestão e estando prevista no Projeto Educativo (intencionalidade coletiva) de uma escola, o apoio do ACIDI/ACM - bolsa de formadores, Kit intercultural Escolas e atribuição de Selo Escola Intercultural – visa incentivar a recolha sistemática de dados, a avaliação sistemática de práticas, o processo de monitorização de resultados escolares dos alunos de minorias culturais, o estabelecimento de medidas de apoio, a valorização da língua materna dos alunos e da diversidade religiosa, a promoção de rotinas de acolhimento, da participação dos pais; a intervenção de mediadores interculturais e/ou linguísticos, a adoção de uma linguagem inclusiva e não estereotipada e de estratégias e instrumentos de combate aos estereótipos; de modo a que diversidade cultural se reflita no esquema de representação social. Os programas de intervenção residem em 4 opções estratégicas: a educação para a diversidade cultural e para todos, a educação para o sucesso educativo das minorias, a educação antirracista e a educação sistémica.

Sílvia Moreira, do Programa Escolhas (Tomar, “O Rumo Certo”) exemplificou casos de intervenção junto de jovens de meios desfavorecidos, através de cinco linhas de atuação/programas: I - Escolhas na Escola - coadjuvação de expressões; II - Formação profissional e estratégias de procura ativa de emprego; III - Dinamização comunitária; IV - Inclusão digital; V - Empreendedorismo e capacitação. Ana Raquel Simões (Universidade de Aveiro) defendeu a aliança entre a educação para a multiculturalidade e a educação em línguas nas escolas (“de um mundo a preto e branco a um mundo colorido“). Na sua opinião, as línguas podem contribuir para a desconstrução dos preconceitos: “a língua portuguesa plural fica sempre mais bonita, parece um sonho...” (Ondjaki) Natália Ramos (Universidade Aberta) relembrou que "aprender a gerir a diversidade cultural é a riqueza das sociedades futuras“ (WOLTON: 2003), na sequência da “Declaração Universal da Diversidade Cultural” (UNESCO: 2001).

Luís Souta (Instituto Politécnico de Setúbal), no âmbito dos 40 anos da Revolução de Abril, procedeu ao balanço da educação multicultural em 4 andamentos, a saber: 1. Antes do 25 de Abril; 2. Abrir os braços - Roberto Carneiro (transformação top-down): consagração da diversidade linguística, programas, base de dados, diversidade religiosa, formação superior para a educação intercultural e “Recomendação 1/2001” do CNE; 3. EB competências essenciais (retórica). Comissão para as minorias étnicas; 4. 2011-... mudança na Europa - à direita volver: “o multiculturalismo faliu” (MERKEL: 2010); referendo na Suíça; Sarkozy (“uma comunidade nacional, quem não quiser não é bem vindo”); deportação da estudante kosovar; nomeação de primeiro-ministro xenófobo, em França.

Luiza Cortesão, refletindo sobre diversidade cultural e educação, citou José Francisco Soares (2005): “a proficiência escolar tem género, cor e é distribuído de forma desigual entre as regiões do país e as redes de ensino.” Maria do Carmo Vieira da Silva deu “a voz aos alunos” de modo a obter a sua perceção sobre a multiculturalidade: “conhecer culturas novas nunca fez mal a ninguém!” 

O XVI Seminário Regional de Educação foi uma excelente oportunidade para uma reflexão conjunta sobre o papel da escola na sua função mais nobre: a promoção da equidade e da liberdade enquanto condições base essenciais para o integral desenvolvimento humano, individual e social. Apesar de no atual «quarto andamento» (Luís Souta) o nobre princípio de defesa da multiculturalidade/ interculturalidade estar ameaçado pela ideologia e práticas políticas dominantes, negar a existência da diversidade é negar o potencial da espécie humana. Combater os preconceitos e reconhecer e valorizar as minorias étnicas, culturais ou linguísticas é uma das tarefas essenciais da educação do século XXI, em direção a uma antropo-ética (MORIN: 2002). 
Em jeito de conclusão – e reafirmando os princípios e valores da educação para a multiculturalidade/ interculturalidade como por mim já adotados há muitos anos; “é muito importante que a liberdade, na Educação como no resto da vida política, social, cultural e económica, se viva respeitando a justiça, a equidade no tratamento dos cidadãos de acordo com as suas necessidades específicas…” (GUINOTE: 2014).
Lisboa, 12 de maio de 2014.
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Publicado por José Fernando Vasco Professor Bibliotecário
Escola Secundária de Cacilhas-Tejo
2009-2013; 2014-...
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